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domingo, 23 de fevereiro de 2014

“Se você quer ser um fotógrafo, você tem que fotografar. Se você olhar para os fotógrafos cujo trabalho admiro, eles encontraram um lugar particular ou um assunto, cavou fundo nele, e criou algo que se tornou especial. E isso leva muito tempo e muito trabalho – que não é para todos. Independentemente de como você é bem sucedido, é importante para você gastar o seu tempo fotografando coisas que são importantes para você. Você precisa entender as coisas que tenham significado para você, e não o que os outros pensam que é importante para você. Ter um blog é uma das maneiras mais fáceis para começar seu trabalho e mostrar para um grande público “. Steve McCurry. 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

As coisas por aqui são imprevisíveis. Nunca se sabe quando vai chover. ou quando um caminhão carregado de madeira vai passar na frente na sua casa durante a madrugada.
Steve McCurry: o melhor retratista de todos os tempos

Hoje vi novamente a fotografia do melhor retratista de todos os tempos. Aliás, melhor dizendo, vi ( na minha humilde opinião) o melhor retrato de uma pessoa de todos os tempos. O magnânimo.

Estava sem sono e com uma puta torcicolo quando me levantei da cama pensando em resolver uma questão que pairava há dias sobre minha cabeça. Estou em vias de me tornar uma fotógrafa profissional, quase lá, sabe, e ainda não sei qual é a minha maior referência. Bem, refiz essa pergunta porque a considero fundamental para fazer qualquer trabalho. Qual era a minha maior referência em retratos artísticos de pessoas? Se eu pudesse pensar em um único nome, cuja obra eu pudesse considerar a minha grande referência para fazer o que escolhi fazer na vida, qual seria? Felizmente, não demorei muito a descobrir. Fiz uma busca ridícula no Google, dessas em que a gente digita "as fotografias mais famosas do mundo", e lá estava ela, a Menina Afegã de Steve McCurry.


































Preciso contar uma coisa para você:  essa é a imagem mais bonita no mundo. Se fosse um cartaz de cinema, ela seria O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Repare, não só pelo verde ao fundo, mas pela composição em si, enquadramento, ângulo, cor, luz. A propósito, não duvido que o designer desse cartaz tenha se inspirado na fotografia de McCurry também. Sem dúvida, ela deve ser fonte de inspiração para muitas artes...

Voltando à menina afegã, lembro exatamente do momento em que a vi pela primeira vez, e não conseguia tirar os olhos dos seus olhos. Eu era também um criança. Foi, de longe, o retrato que mais me marcou, e cuja imagem permaneceu em minha memória ao longo dos anos, me acompanhado até os dias de hoje. Pelo visto, não consigo me desvincular dela, dessa garotinha misteriosa, de olhos arregalados e absurdamente verdes! Ela estava na revista que eu folheava, não na National Geographic, onde foi originalmente publicada, mas numa revista qualquer. Ela rodou o mundo, ora. E agora, acabo de perceber que ao longo de todos esses anos, nunca quis saber mais nada sobre ela. Nunca me interessei por entender o seu contexto, a imagem já me dizia tudo.

Aos olhos de uma criança, algumas coisas simplesmente não são tão importantes. Por exemplo, se a menina era ou não afegã, se ela havia ou não posado para aquela foto, se ela estava em fuga, ou se só estava só, sem ninguém no mundo. As crianças não se atêm a essas informações que julgamos ser importantes quando somos adultos, e isso me parece muito curioso. No meu caso, não me ative a nenhuma informação específica e nem queria saber.Fui atraída pela menina, pelo modo como ela olhava para mim e isso me mantinha conectada a ela. Hoje sei exatamente o que me atrai nela, mas não ouso dizer porque essa imagem é tão potente (!!!!) que qualquer tentativa de analisá-la mais a -fundo seria, no mínimo, ridículo. Me sinto ridícula por tentar elucidá-la! É um despropósito muito grande porque qualquer um deveria saber, assim como as crianças que certas imagem são inefáveis e por isso são imagens, e não textos.

Bem, agora você sabe o que penso sobre essa imagem. Penso que falar sobre ela é uma redundância. É isso que penso. Tudo que eu disser sobre ela é uma grande mentira porque não acredito que ela exista para esse fim. Só posso dizer verdadeiramente algo sobre ela considerando o que ela me me provoca. É muita louco mesmo pensar sobre isso mas essa imagem, para mim, só pode ser comentada sobre como ela me toca. Não há outra maneira. Provavelmente você poderá buscar sua história no Google, tão facilmente como eu a encontrei novamente na rede. Mas isso não vai ser tão importante quanto saber o modo como ela toca você. E como ninguém irá lhe dizer isso, você terá que descobrir por você mesmo. Interpretá-la ao seu modo. Sugiro que faça como as crianças, que pouco sabem sobre as coisas e também não estão interessadas em saber. Assim, acredito ser muito mais interessante.

Como ela me toca? Fico impressionada com o fato de eu nunca me acostumar a essa imagem. Ela sempre irá mexer comigo de alguma forma. Basta observá-la por um milésimo de segundo e desviar o olhar num átimo. E, em seguida, mirar novamente a cena para pensar imediatamente: Ela vai fugir. Vai correr agora, sumir daqui. Pronto, não deve estar mais lá. Nunca mais a verei de novo. Partindo disso, fica fácil imaginar o desenrolar da história. Eu digo: Ei, calma, não vá! E espero que ela não vá, para que eu possa fotografá-la. Bem, eu jamais faria essa foto, anyway, mas se a fizesse, penso que, no momento decisivo deste encontro fortuito, em que me posiciono esperando que a ação aconteça diante dos meus olhos, surge a menina. Ela sai de algum escombro, de uma ruína qualquer, e permanece parada durante dois segundos na minha frente. Eu então, a observo com a minha "câmera super intimidadora" em punho. E ela, protegida somente por sua frágil burca - já rasgada, provavelmente, pela fuga - me vê. O que eu vejo? Um perfeito enquadramento. Estou no melhor lugar, na melhor hora. Me alegra o fato de estar aqui, enquanto uma feliz cena fotográfica se configura no instante em que veja a garota. Busco os olhos dela, e vejo que são verdes, de uma cor intensa que nunca vi antes em toda a vida. Verde também é a parede ao fundo da cena. Desvio um pouco o olhar para os detalhes e percebo que abaixo da burca, rasgada pela fuga, sobressai o verde de sua vestimenta. Verde, verde, verde, vermelho, marrom. Clico.

Em outra circunstância, imagino o outro lado. Me coloco no lugar da menina, a fugir de alguém ou somente desamparada. E encontro um homem que poderia me ajudar, mas ele está parado e levanta algo em minha direção, um objeto estranho, que se assemelha a uma arma. E dispara. E então, meus olhos saltam de medo, e eu corro. Eu simplesmente fujo desse momento. Não participo do mágico processo visto e pensado, e concretizado para o fotógrafo. Nessa perspectiva, quase nada se modificou.

É simples assim. As boas fotografias nos contam histórias incríveis. Estão abertas a inúmeras possibilidades. São atemporais e, mesmo que tenham uma história oficial a nos contar, prefiro dispensá-la e perceber que o melhor está no que a própria imagem pode me contar. ela por ela mesma. Se for diferente disso, é redundante. E ela não será forte o bastante.

Essa fotografia é muito importante na minha vida. Sua plasticidade e simbolismo são incríveis e incomparáveis. Como é muito famosa, imagino que muitos textos já tenham sido escritos sobre ela, mas novamente, reforço que o que ela tem de melhor é o fato de nos possibilitar imaginar o que não está dito, o que não sabemos. E se formos ir além, podemos dizer que essa fotografia também denota uma falha da imagem: ela é incapaz de dar conta do todo. não consegue traduzir o instante tal como ele foi. Ela é intransparente, nesse sentido. Como se se a menina afegã me dissesse: pode ver isso, mas é muito mais. Você não sabe, nem imagina. E esse é outro mérito das boas fotografias: elas conseguem também não nos contar todas as coisas. Elas nos deixam assim, tentando adivinhar o impossível. Por isso, essa é, na minha opinião a melhor fotografia do mundo. Um salve a Steve McCurrry, que não precisava ter feito nenhuma outra imagem depois desta. Serei eternamente grata a ele.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014