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domingo, 29 de julho de 2012

voltar de um lugar e ver a vida pela estrada


voltando de Itapecerica fiquei vendo a paisagem da janela do ônibus. não era cinco da tarde e já tinha lua cheia no céu. já vi isso várias vezes em bh, mas na estrada é mais bonito. fora da cidade é mais bonito, pensei. quando chega a noite, então...quanta estrela que antes ficava escondida a gente vê! durante a viagem me vieram as lembranças da cidade e de como eu estive tranquila, feliz, em repouso com o mundo e comigo mesma.

ficar fora de casa é praticamente virar outra pessoa. apesar das roupas, dos sapatos, da gilette e do desodorante que se leva, a pessoa que vai é outra. e a que volta é mais diferente ainda da que foi. é como se a gente fosse querendo renovar o guarda-roupa, mas voltasse despido.

lá em Ita acordei ouvindo galo cantar, vi e ouvi o buzinaço da procissão dos motoristas da cidade (onde já se viu benzer carro?), e até arrisquei uma tortinha de maçã que sempre quis dar conta de fazer! claro que tinha campanha eleitoral, tinha pobreza nas ruas, tinha chateação urbana como tem em qualquer lugar, mas nada que a predisposição para o sossego não desse conta de levar pra longe de mim. chorei algumas noites também porque uma mulher na tpm chora. quando não acontece tem alguma coisa anormal (e era querer demais deixar a tepa em bh, né!?)....

no caminho de volta eu vi tantas montanhas bonitas...tantos casebres com luzinhas acessas no meio do nada... admirei aquela vida lá fora de longe... uma vida que nunca foi minha, nem nunca será. porque não existe nada em comum entre mim e aquele modo de vida. mesmo que eu e aquele povo fôssemos considerados todos mineiros, não havia nada ali que me fosse familiar. e essa falta de familiaridade foi suficiente para que eu achasse tudo encantador (fala do viveiros de castro que me aproprio aqui ). mas era só uma vista da janela do ônibus. a estrada até parecia um ponto de encontro, mas não: um abismo entre realidades muito distintas.

num arroubo mineiro eu pensei, disse pra mim mesma em silêncio: minas é um trem bonito demais! esses rincões são bonitos demais! as montanhas daqui escondem tantas coisas, tantos segredos...a gente não dá conta de entender nada mesm...só sente.


terça-feira, 17 de julho de 2012

delícias da vovó

o tempo de inverno me traz muitas boas lembranças. uma delas é a do chá de ervas que minha avó costumava fazer. na verdade, acho que ela gostava de preparar esse chá o ano todo, mas o inverno sempre era uma época mais propícia pra gente esquentar os peitos com aquela delícia!

Me lembro quando eu e vovó íamos ao centro pra comprar as ervas em uma casa especializada no mercado central. tinha uma outra também, da vaca desenhada na parede....mas essa não sei onde ficava porque quando a gente é criança não tem a menor ideia de onde está. mas nessa casa de ervas, tinha planta de tudo quanto é jeito, e eu achava que se levasse todas, o resultado do preparo podia ser ainda melhor, haha! vovó escolhia todas aquelas que desejava pra mistura ficar bem boa! e sempre ficava.

Depois vieram outros tempos, claro. e vovó começou a fazer também um tal "suco de maracujá especial." O suco de maracujá dela era ótimo também! uma verdadeira iguaria (ou mágica), ou somente ela podia encontrar os melhores maracujás para preparar aquele suco!!!

Minha avó sempre cozinhou muito bem! Ela foi cozinheira em tantos lugares (clubes, restaurantes, etc) que nem sei...e a cozinha sempre foi um lugar muito especial para ela, por isso ela se irritava quando eu e meus primos ficávamos rodeando o fogão para beliscar alguns petiscos! "Aqui não é lugar de menino", ela dizia. Sim, cozinha é coisa séria. Talvez seja por essa razão que eu não costumo me aventurar por esses espaços com muita frequência, rs.

Se para vovó as lembranças serão sempre majestosas, não posso dizer o mesmo sobre mim: "comedora de alhos socados" nas horas vagas, na infância! E hoje, aos vinte e quatro anos, o máximo que dou conta de preparar é um espaguete à bolonhesa com muito (ou pouco) sal, nunca a medida certa. Ah, também sou expert em fazer arroz, mas sempre com a ajuda da mamãe. Eu tenho sérios problemas para lembrar qual é a hora certa de jogar a água fervente por cima....brigadeiros sei fazer bem, mas nunca os enrolei em bolinhas pra ter certeza que é um sucesso!

Coisas que eu jamais farei igual: mingau de fubá com couve picada, caldo de mandioca e feijão, queimadinha (mais deliciosa do mundo), peixe ensopado, salada de almeirão!!!! Bem, entre as minhas próprias lembranças e as lembranças das comidinhas da vovó, fico com a segunda opção. aliás, acho que vou dar uma passadinha na casa dela em breve, quem sabe ela preparou aquele chá?




segunda-feira, 9 de julho de 2012

Inverno tímido, ideias tímidas. Desci pra comprar comida e não vi coisas interessantes...
Cansei das paisagens daqui, pensei. São sempre as mesmas. Não tem nada mais pra ver! Queria explorar outros lugares, outras redes, outras conexões... O meu mundo parecia mais interessante quando eu não tinha tempo para as coisas interessantes, e podia me queixar disso o tempo todo! Agora eu tenho muito tempo para as coisas interessantes, mas o meu olhar está desinteressado. 


E o meu bolso está sem grana, logo, mais desinteressado ou desinteressante também :(












quinta-feira, 5 de julho de 2012






































#imagensroubadas
do perfil de nelio costa. autor desconhecido.  

Revisitando os textos do curso de Gestão Cultural, encontrei esse aqui do Prof. José Márcio Barros. Poxa, me fez pensar...


2 OU 3 QUESTÕES SOBRE O OLHAR[1]
José Márcio Barros [2]
Você já levou uma criança a uma exposição? Tomara que sim, faz bem para quem leva e é melhor ainda para quem é levado. Mas se você, mesmo que muito bem intencionado e armado da mais elástica paciência e atenção, foi logo avisando, na porta do Museu ou da Galeria, de que ver é só com os olhos, propondo, então, que seus convidados colocassem as mãozinhas para traz, sinto informar que, suas intenções foram ótimas, mas você precisa rever suas idéias.
Talvez pudéssemos começar propondo uma diferenciação entre o VER e o OLHAR. Entre os dois, não há apenas uma diferença de intensidade, há uma ruptura, um salto. São posturas diferentes que inauguram “campos de significação diferentes”[3].  O VER pode ser afirmado como uma atitude involuntária, marcada pela imposição das coisas sobre o sujeito. Este, ingênua e passivamente, atua como uma espécie de “detector de metais”, que denuncia a presença de objetos, mas que se manifesta sonoramente da mesma forma, tanto pela presença de um chaveiro quanto por uma arma de fogo de um possível seqüestrador de aviões. Ver não exige vontade, basta se colocar à disposição, não exige espessura ou profundidade, basta o registro espontâneo da superfície visível.
O olhar é outra coisa, pressupõe outra postura, desencadeia outra relação, exige outro sujeito. Olhar é ir além da visão, rumo à realização de algo intencionado. O olhar é próprio daqueles que investigam, que se perguntam. É, pois, algo deliberado, que tensiona a relação do sujeito com o mundo. No olhar, o sujeito pensa; no ver, se acomoda.
Não há outra opção possível, para os que se querem educadores, senão o olhar, ou a visão feita interrogação, mesmo quando se admira a figura do flaneur, como decorrência romântica do mundo/cidade moderna. 
Dito desta forma, a experiência do olhar pode parecer uma clausura da razão, que dilacera de forma abrupta a espontaneidade e a criatividade do homem para com o mundo. Nada disso. Ser espontâneo, às vezes confundido com uma incapacidade de perguntar-se sobre o mundo, é na verdade uma qualidade de responder ao que é conhecido e ao que é desconhecido, através de registros inconscientes da cultura. Por outro lado, ser criativo, não é estabelecer uma relação de fricção passiva com as coisas do mundo, mas a deliberada necessidade de reinventá-las.
O Olhar é, portanto, uma intenção de descoberta. O OLHAR RESULTA E É RESULTADO DE NOSSA LEITURA SOBRE O MUNDO. Mas de que leitura falamos? Daquela reduzida ao texto escrito?  Certamente não. Por leitura devemos entender todo e qualquer desvendamento de estruturas simbólicas, sejam quais forem as linguagens, os suportes, os meios utilizados e as mensagens veiculadas. Ler é estabelecer sentido, buscar para além e aquém do significante, o significado latente, emergente, possível.
E é por isso que o poeta Moacyr Félix tem razão, ao chamar o homem de pontifex: fazedor de pontos, e ele próprio ponto. Fazedor de pontes, e ele próprio ponte.[4]
O olhar nada mais é que o resultado de uma empreitada de desvendamento de quem lê o mundo através da cultura, aqui pensada no sentido antropológico, como uma lente através da qual o homem atribui sentido às coisas e a si próprio, como sugere Roque de Barros Laraia[5]. E aqui nos encontramos frente a frente com alguns desafios.
Se até aqui falamos de possibilidades, é preciso reconhecer limites que precisam, intencionalmente, ser superados. Estabelecemos leituras, organizamos nosso olhar, a partir de códigos que nos estruturam como sujeitos da cultura. Construímos nossa relação com a realidade, através de valores, regras e normas, que apreendidas no coletivo, definem nossa identidade, nos dizem quem somos, a que grupo pertencemos. Sofremos assim, de um centramento perigoso, em nossas próprias verdades. Fazemos da diferença, a projeção redutora de nossas igualdades. Estranhamos e nos amedrontamos frente ao que não tem registro em nossa “província de significados”[6]. E é por isso que costumamos nos recusar ao outro. É por isso que tornamos inexistente ou invisível tudo aquilo que difere.
Por isso, o olhar numa perspectiva antropológica, só se realiza em sua plenitude arqueológica e visionária, se resultado da relativização. Se resultado da compreensão e desconstrução das categorias subjetivas e fundantes de nossa visão, de nosso olhar. Só dessa forma, o mundo que o olhar inaugura e reinaugura deixa de ser o recalcitrante reflexo de minhas, e meias, verdades, e passa a ser a realização do entendimento respeitoso do que há de mais rico no ser humano: sua capacidade de ser diferente.
Olhar o mundo, através da Antropologia, é um duplo exercício: primeiro porque exige o reconhecimento das universalidades e singularidades do ser humano, segundo, porque, não há possibilidade maior de nos revermos, que através do outro. Mas relativizar, desenvolver um olhar relativizador não é um ato religioso ou ideológico, apesar de exigir fé e convicção. É antes de tudo uma postura, ética/conceitual, que se recusa descontextualizar as ações e os gestos do homem de seus contextos de origem; que recusa uma essência universal do homem, mesmo que reconhecendo invariáveis de seu comportamento, por acreditar que tudo é mais uma questão de posição e de relações.
Assim é o olhar do antropólogo. A superação da contemplação anestesiada do mundo, mas também a superação do centramento excludente em suas próprias verdades.
Por isso, exposições são para ser investigadas, e não apenas vistas. Por isso o mundo e suas realidades devem ser experimentadas através de nossa sensorialidade, através de nossa subjetividade, através de nossa razão. Por isso crianças olham com o corpo inteiro! Por isso o olhar antropológico se movimenta, procurando familiarizar-se com o exótico e estranhar o que lhe é familiar. E neste vai e vem, descobrir e buscar compreender a plasticidade humana, sua complexidade, seus mistérios.


[1] Adaptação livre do trabalho desenvolvido no Seminário Educação do Olhar, promovido pela Secretaria de Estado da Educação de MG, em Junho de 1996. Publicado no Caderno Pensar, Jornal Estado de Minas, 1/11/97.
[2] Antropólogo, Mestre em Antropologia pela UNICAMP, Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Professor da PUC - Minas e da Escola Guignard – UEMG.
[3] Cardoso, Sérgio, “O olhar viajante (do etnólogo)”, in O OLHAR, Adauto Novaes (org.), SP, Cia. Das Letras, 1989.
[4] “Raciocinar é uma coisa, pensar é outra”, Revista Encontros com a Civilização Brasileira, 3, 1978.
[5] “Cultura um conceito Antropológico”, Rio, Zahar, 1986.
[6] PEIRANO, Marisa, A FAVOR DA ETNOGRAFIA, Rio, Relume, 1995.