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domingo, 4 de maio de 2014

eu gosto de reler os poemas da ana cristina césar. ela me salvou da vergonha que sentia por também ser marginal e ordinária no mundo. vez ou outra, em muitos momentos da minha vida, me vem à cabeça um verso dela. e aí preciso lê-la de novo. e de novo. só pra experimentar mais uma vez aquelas sensações do tempo que a li pela primeira vez. nem sempre dá. mas quando isso acontece, sou uma pessoa livre e melhor. ana c me deixou dois legado: a estética e a liberdade.


Nada disfarça o apuro do amor.
Um carro em ré. Memória da água em movimento. Beijo.
Gosto particular da tua boca. Último trem subindo ao
céu.
Aguço o ouvido.
Os aparelhos que só fazem som ocupam o lugar
clandestino da felicidade.
Preciso me atar ao velame com as próprias mãos.
Sirgar.
Daqui ao fundo do horto florestal ouço coisas que
nunca ouvi, pássaros que gemem.


CIÚMES

Tenho ciúmes deste cigarro que você fuma
Tão distraidamente.



O Homem Público N. 1

Tarde aprendi
bom mesmo 
é dar a alma como lavada.
Não há razão 
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita 
que vai sendo cortada
deixando uma sombra 
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
chuva bate no vidro
lava a janela.

vento bate no peito
e leva a dor da gente.